Violência sexual não é um problema individual

A atualização do estupro na estrutura coletiva

A trajetória de uma ação individual é reflexo e componente de estruturas organizativas coletivas, se fazendo presente através de padrões mantidos ao longo do tempo e alterados nas adaptações necessárias à sobrevivência de práticas e ideias. O patriarcado atualiza constantemente as dinâmicas do estupro, ocorrente em diferentes sistemas econômicos, sociais e culturais ao longo da história e sempre mantendo a violência sexual contra as mulheres enquanto pilar fundamental. Alteram-se as características da organização social – novas tecnologias, formas de trabalho, lógicas de organização das famílias e de espaços educacionais e formas de lazer – mantém-se a violência sexual contra mulheres.

O estupro enquanto componente estrutural

A violência sexual protagonizada por homens, existe, portanto, enquanto constância, no formato de ação e ameaça, produzida como uma realidade de terror e ocorre em massa, de forma sistemática e tacitamente organizada. Não é aleatória, tampouco caso de exceção ou resultado de sujeitos doentes, vitimizando mulheres de todas as idades, incluindo bebês e crianças, sendo protagonizada majoritariamente por homens adultos a partir de epistemologia que postula o acesso dos homens aos corpos das pessoas do sexo feminino. O estupro contra mulheres existe enquanto interpretação que modula a ação social, enquanto prática de abuso e também como autorização social à violência, o que permite a constância da violação e inibe a revolta de vítimas e evita a punição de agressores. O estupro cometido por homens contra mulheres é protegido pelas instituições estatais através do sabotamento diário das regras democráticas alcançadas em constituições nacionais e também mantido pelas instituições sociais através do acobertamento de violadores e punição das vítimas. Instituições estatais e sociais reforçam-se mutuamente na tarefa de manter funcionando a invasão diária dos corpos de mulheres, em uma ostensiva permanente, preservando a lógica da supressão da integridade e autonomia das mulheres, forçando-as a submissão através de práticas aparentemente individuais e desconectadas da estrutura patriarcal.

Daniela Alvares Beskow

14 de julho de 2022

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