Da escrita compartilhada de “Reflexões conceituais sobre a violência”, trecho escrito hoje.
As relações de poder, ancoradas não apenas nas violências estruturais, mas, também nas conveniências cotidianas e possibilidade de acesso à benefícios individuais circunstanciais acompanham a forma como se dão as escutas em contextos coletivos.
Há uma troca de benefícios entre pessoas que tem sua falas escutadas e valorizadas e pessoas que escutam, gerando nessa dinâmica, a indiferença e silenciamento dos indivíduos e grupos não escutados. Uma troca comum entre falantes valorizados e escutantes selecionadores é a escuta em troca do acesso à companhia da pessoa escutada, podendo existir reconhecimento e afeto genuíno ou então, artificial, ou seja, uma troca de favores. No caso da artificialidade há uma teatralização que favorece ambas as partes. De um lado, a pessoa que está sendo colocada ou que já está localizada em um local de reconhecimento coletivo. De outro, as pessoas que se interessam em caminhar ao lado da pessoa reconhecida – seja ela quem for, já que o objetivo não é caminhar ao lado da pessoa, mas sim, do reconhecimento social, de forma que, quando o grupo olha para a pessoa já reconhecida, há uma chance que se olhe também para quem está caminhando ao seu lado. A pessoa que escuta deseja o reconhecimento direcionado à a pessoa escutada e a pessoa escutada deseja a companhia das pessoas que a escutam, ela deseja o afeto, o cuidado, a atenção e o carinho. A pessoa escutada irá então ceder o espaço ao seu lado para as pessoas que a escutam e a beneficiam com companhia, entendida como afeto – o que muitas vezes de fato, existe, ainda que ancorado no interesse individualista.
Nessa dinâmica as pessoas ouvintes escutam não as ideias, mas sim, a própria pessoa e esta por sua vez, a figura do reconhecimento, a possibilidade que engendra reconhecimento para os demais.
Pessoas não escutam ideias, mas, a possibilidade de também serem reconhecidas e escutadas e assim, forjam concentradores cotidianos de atenção em um processo que, ao mesmo tempo, desqualifica o todo das pessoas e a produção coletiva e rica de ideias, perdendo-se boas ideias e estruturando o conhecimento social não em favor do desenvolvimento coletivo, mas, de individuais que reforçam relações de poder.
O tempo então estrutura astros e satélites que passam a orbitar ao seu redor enquanto massas de estrelas passam ao lado desapercebidas no que muitas vezes passam a avaliar se devem também se tornar satélites para obter dessa vez, não reconhecimento, mas, os rastros de afeto que sobram do movimento incessante ao redor dos grandes astros – já que escuta trás consigo também presença e afeto – tornados grandes nem sempre pela escuta às suas boas ideias mas, por uma massa de satélites incontentes por não serem astros, dedicados à engrenagem artificial da escuta, buscando nessa massa os seus próprios orbitantes.
A produção de conhecimento nessa estrutura gigantesca torna-se então pequena, para não dizer, monótona e chata. A graça das grandes descobertas cotidianas se perde na corrida de vaidades, interesses, tristezas e artificialidades. Se distanciando do real, do presente, da construção coletiva, da solução de problemas, da ajuda mútua, do companheirismo, do olhar genuíno e sincero, da ação sem medo, da companhia despreocupada, desinteressada em individualismos e de fato, disposta.
Daniela Alvares Beskow
12 de janeiro de 2023
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