Furar bebês é tortura. Uma reflexão sobre transpassar objetos de metal no lóbulos de bebês

Torturar significa provocar intenso sofrimento, violência ou suplício à alguém durante um certo período de tempo. Ou seja, não é uma violência pontual, mas, que perdura. A tortura pode ser física ou psicológica e promove dor intensa, incômodo e sofrimento prolongados. A violência ocorre quando é realizada ação danosa à alguém sem necessidade. O processo de violência inclui o não consentimento e a retaliação caso haja reação da parte lesionada. Promover danos à outras pessoas é violência. Esse é o primeiro ponto.

Bebês não tem a capacidade de consentir. Bebês são seres totalmente vulneráveis, dependentes e que interpretam o mundo através dos sentidos e das sensações. Bebês sequer entendem o que significa violência ou consentimento, mas, elas sentem incômodo, dor física e sofrem, assim como as adultas. Bebês não tem a habilidade de expressar em palavras sua discordância em relação à temas ou situações, elas apenas se expressam com movimentos articulados de forma incipiente: choram, riem, alcançam com as mãos aquilo que está imediatamente em seu entorno, boçejam, espreguiçam, viram o rosto quando não querem mais comer, e assim por diante. Bebês não tem ao seu alcançe a possibilidade do consentimento. Esse é o segundo ponto.

Bebês podem se sentir incomodados com várias coisas, algumas delas, necessárias e importantes para sua vida, como por exemplo, tomar banho ou tomar remédio. Ainda que a bebê se incomode eventualmente com essas ações, estas não podem ser consideradas como uma violência, pois, são ações não danosas e que também são necessárias para o funcionamento do seu cotidiano. Tomar banho não é danoso à um bebê, tampouco tomar um remédio ou passar por um procedimento cirúrgico que o curará de uma enfermidade. Ainda assim, muitas ações não danosas e necessárias podem vir a causar incômodo, tanto em bebês como em pessoas adultas. Este é o terceiro ponto.

Enquanto pessoas adultas, temos acesso ao desenvolvimento da ação de consentir, que é um processo que demanda tempo e aprendizado. Mesmo em pessoas adultas, observa-se dificuldade em se manifestar concordância ou discordância com situações que afetam diretamente suas vidas. Devido aos regimes de poder, muitas vezes uma pessoa adulta é coagida a dizer “sim”, quando prefere dizer “não” ou dizer “não”, quando prefere dizer “sim”. Se em pessoas adultas já existe grande problemática em relação ao consentimento e os significados da violência, imagine em bebês, que sequer possuem as ferramentas necessárias para consentir ou manifestar discordância, impedir algo que lhes faz dano. Quarto ponto.

O quinto ponto diz respeito à vaidade e violência das pessoas adultas. Vaidosas, se sentem no direito de realizar seus próprio desejos através de um ser que não pode consentir e fazer com eles o que bem entendem. Uma pessoa adulta pode estapear um bebê? Uma pessoa adulta pode furar a perna de um bebê? Não. Essas ações são consideradas como uma violência, certo? Então por que adultos se sentem no direito de transpassar um pedaço de ferro no lóbulo de bebês? Por que a orelha de bebês é uma parte do corpo de foge à regra e está autorizada a ser violada? “Furo porque é meu bebê e faço o que eu quero com o meu bebê”. Não. Ninguém tem o direito de “fazer o que quiser” com quem quer que seja. “Furo a orelha da minha bebê para que não a confundam com menino”. Bom, para que não a confundam com um menino, basta dizer “é uma menina”. Mas, ao que parece, mães e pais acham que vale a pena torturar uma bebê para poupar seu tempo com explicações simples como essa. E, ademais, por que é tão problemático confundir um bebê, pensar que é menino ou menina? Bebês são bebês, apenas tem que ser cuidados e protegidos. Ser menina ou menino realmente apenas importa para intervenções médicas onde esta informação é necessária. Por que causa tanto incômodo quando alguém se confunde e pensa que uma bebê menina é um bebê menino ou vice versa? Simplesmente não importa! Essa confusão temporária é totalmente irrelevante para a vida do bebê. Ocorre esta confusão pois, realmente, bebês do sexo masculino e bebês do sexo feminino são extremamente parecidos, pois, os sinais corporais de diferenciação entre os sexos ocorre mais tarde. E isso não é um problema, apenas faz parte da vida. Agora, se esta confusão causa incômodo na mãe, no pai, nos cuidadores desse bebê, sem problemas. Apenas informem aos interlocutores que é menino ou que é menina. Bebês não devem ser marcados corporalmente para que adultos se sintam melhor consigo mesmos.

Objetos que transpassam o corpo incomodam, machucam, provocam dor local, dor de cabeça, irritabilidade e muitas vezes, elergia. A bebê se sentirá incomodada com o brinco e quando tentar retirá-lo, não conseguirá, pois, ela não tem as habilidades motoras para tal. Dessa forma obriga-se o bebê a permanecer no estado de incômodo desnecessário, por isso, é tortura. Furar o corpo é uma ação invasiva e que apenas deve ser realizada quando necessário ou, no caso de pessoas, adultas, quando for de livre e espontânea vontade, como no caso de brincos e jóias.

Furar bebês sem necessidade é uma violência. Obrigar bebês a viverem com um objeto de metal transpassado no seu corpo sem necessidade é tortura. E tortura é um crime contra a humanidade. É chocante como pessoas adultas a praticam sem que haja manifestação da lei a respeito. Adultos não podem “fazer o que quiserem” com seus bebês. E se, para que respeitem os bebês seja necessária uma lei específica sobre o assunto, que assim seja. O Brasil precisa debater sobre a idade para o consentimento, não apenas neste, mas, em vários assuntos.

Daniela Alvares Beskow

Uma Coluna por Sexta

13 de março de 2020

Coluna 6