Primeiramente é importante destacar que há pouco debate sobre o quadro extremo de violência contra as mulheres – que tem características bastante diferentes daquelas praticadas contra os homens – na grande mídia e espaços políticos representativos, resultando na pouca proposição de leis eficazes que visem a extinção completa da violência contra a mulher. Inversamente, observa-se perspectivas midiáticas que, muitas vezes, estimulam e espetacularizam situações de violência, além de projetos de lei e debates políticos que igualmente incentivam a não-extinção dessas violências. Um deles é a proposta de proibição do debate sobre temas relativos à gênero nas escolas. Sendo a construção social do gênero resultado da dominação e exploração das mulheres nos últimos milênios, promovendo inclusive a autorização social para que mulheres sejam violentadas, é inadmissível propor as escolas a não produção de conteúdo crítico sobre esse tema. É inadmissível que se aparelhe escolas com valores que promovam a manutenção da violência. Escolas são espaços de aprendizado, reflexão e formação de cidadania, sendo seu dever debater esses e outros assuntos para que cidadãos e cidadãs sejam formados e habilidades para um pensamento crítico sejam desenvolvidas. Violência, Sociedade, Capitalismo, Política, História, Economia, Racismo, Meio Ambiente, Patriarcado, são conceitos que devem ser amplamente debatidos para que possamos, juntos, construir um mundo onde a paz, a democracia e o bem estar sejam realidades palpáveis para todos, geradas através de reflexão, debate e consciência.
A realidade sobre violência – sendo o conceito de “violência” estreitamente relacionado com o de “gênero – no Brasil traz o seguinte dado: anualmente no país, 500 mil pessoas são estupradas, sendo a grande maioria do sexo feminino e a metade, crianças, O número de estupro e e moradia forçada de homens adultos contra meninas, denominado “casamento infantil” é altíssimo no país, assim como são altos os números de estupros pagos contra meninas, denominado “prostituição infantil”. O tema é abordado por Natacha Orestes, escritora e pesquisadora da área. Segundo a autora:
“O casamento infantil é um tipo de exploração sexual que não é socialmente percebida como tal. Embora o sexo com pessoas menores de catorze anos seja considerado estupro de vulnerável, de acordo com a lei, 66 mil crianças entre dez e catorze anos estão em situação de casamento no território nacional. Isso acontece devido a uma brecha na legislação: o casamento é permitido a partir dos 16 anos com consentimento dos pais, mas, se a adolescente for do sexo feminino e estiver grávida, o homem que a engravidou tem o direito de tomá-la como esposa. No caso de meninas menores de catorze anos, isso quer dizer que é concedido ao estuprador o direito de exercer a paternidade em detrimento do direito da menina de não conviver com seu violador ou de abortar o feto gerado a partir do estupro.”
Um dos dados que chama a atenção no contexto das violências sexuais praticadas contra meninas é que a esmagadora maioria dos agressores são homens e são adultos. A maioria é também composta por pessoas próximas à criança, fazendo parte da família ou do círculos de amigos.
“Segundo estatísticas, pais e padrastos representam a maior parte dos estupradores de vulnerável no território nacional enquanto que o fundamentalismo religioso, que representa um dos pilares do patriarcado, ergue palanques em espaços políticos para a realização de um lobby homofóbico que afirma ser a homossexualidade a causa da pedofilia, como se fossem as lésbicas e os gays os responsáveis pela corrupção de menores no Brasil e não pais e padrastos. É uma inversão milenar, uma tentativa de ocultar o sujeito perpetrador dos estupros de vulnerável, responsabilizando uma parcela da população que já é perseguida por não ser heterossexual, por não fazer o sexo considerado correto por algumas morais religiosas, o sexo reprodutivo. Teorias norte-americanas de cunho pedófilo escritas por Richard Gardner afirmam que a pedofilia é natural e normal para o sexo masculino. Além disso, essas teorias também afirmam que a pedofilia é positiva para a sobrevivência da espécie humana, servindo para fins de procriação. É importante perceber que a pedofilia tem sido utilizada institucionalmente com a finalidade de promover a manutenção do direito masculino de controlar os direitos sexuais das mulheres, começando pelas mais vulneráveis, as meninas. O lobby homofóbico e lesbofóbico tem como objetivo atacar sexualidades que colocam em risco a supremacia masculina e o direito dos homens sobre os corpos do sexo feminino, responsabilizando a comunidade LGBT pelos crimes cometidos por instituições heterossexuais.”
A realidade de extrema violência praticada por homens adultos contra crianças do sexo feminino é chocante. Porém, que ações estão sendo realizadas para que essas violências sejam eliminadas por completo? Até quando crianças terão que conviver diariamente com estupros e violências ? Por que esse contexto é tolerado no Brasil? De acordo com resoluções da ONU, devem ser adotadas por todos os países, medidas que visem o fim do estupro e moradia forçada de homens adultos com crianças do sexo feminino (“casamento infantil”). Porém, como o Brasil tem se comportado frente a essa decisão internacional? Orestes complementa:
“As teorias de cunho pedófilo do escritor Richard Gardner foram traduzidas para a língua portuguesa e disseminadas entre juristas, magistrados, advogados e estudantes de direito. A estratégia dos estupradores de crianças é se passar por protetores da infância e ganhar a confiança da sociedade. É a mesma estratégia através da qual atuam para cometer seus crimes. Pedófilos se aproximam de crianças vulneráveis e ganham a confiança de todo o círculo social das vítimas. Esse processo é conhecido internacionalmente como grooming, tática que, na Malásia, se tornará crime em breve, mas, aqui no Brasil não é sequer discutida. Um dos objetivos existentes nas estratégias utilizadas por estupradores – em especial estupradores de crianças – é se manterem impunes. É preciso avançar nesse debate. Atualmente temos um projeto de lei, PL4488, cujo objetivo é encarcerar mães que denunciam pais que estupraram seus filhos. É a criminalização da maternidade protetiva. A separação de mães e filhos foi e ainda é uma tática nazista. Estamos diante de uma barbaridade, mães têm perdido a guarda de seus filhos e acusadas de serem loucas e histéricas, ao mesmo tempo que as crianças são dadas de mãos beijadas aos seus algozes. Se a sociedade civil não se engajar contra isso, o número de casamentos infantis entre pais e filhas só aumentará.”
E então, Brasil?
Daniela Alvares Beskow. Escritora e bailarina. Bacharel e licenciada em Ciências Políticas (Unicamp) e bacharel em Comunicação das Artes do Corpo(PucSp). Mestranda em Artes Cênicas (Unesp-Sp).