Aprendendo sobre a organização social dos curdos e curdas que optaram pelo Confederalismo Democrático nos últimos anos, me surpreendo como algo tão poderoso e transformador pode surgir em uma situação tão extrema como a guerra que já dura anos. No sistema de organização social e política que estão propondo, o feminismo é pilar estrutural. Por exemplo, as lideranças dos Conselhos são sempre duas pessoas, eles chamam de “co-lideranças”: há a obrigatoriedade de haver sempre um homem e uma mulher. A liderança mulher é escolhida apenas pelas mulheres, enquanto que a liderança homem é escolhida por todos. Nos Conselhos há também a regra de cotas de 45% para cada um dos sexos.
No caso de violência patriarcal, no Confederalismo Democrático são as Comissões de Mulheres que acolhem e encaminham a denúncia. Há um trabalho educacional feminista constante com aulas e debates para homens e mulheres. A justiça é restaurativa e não punitiva, ao não ser em casos extremos, que mistura punição com reeducação. O homem que violenta é obrigado a rever o seu comportamento e muda-lo. Ainda não tomei conhecimento de como funciona quando quem comete a violência é outra mulher, mas, imagino que seja aplicado o mesmo método de justiça. O debate é encaminhado para o consenso e quando não é possível atingi-lo, e caso seja possível, há opção de parte das pessoas praticarem a decisão e quem não concorda, não pratica. É uma ótima ferramenta da aceitação do dissenso. Durante a implementação desta forma de organização política, chegaram-se a definições e conceitos. Algumas delas dizem respeito ao que seria a violência contra as mulheres. Poligamia está entre elas. Além disso, os povos que tem se reunido em torno do Confederalismo Democrático são vários, os curdos tem acolhido refugiados de várias etnias e religiões. Enfim, é uma complexidade de detalhes que expressam que é possível a prática de uma sociedade que se posiciona fortemente pelo fim da violência contra as mulheres e pela tolerância, respeito e cooperação. Uma prática evidente que contraria todos aqueles que dizem que a prática anarquista não é possível. Ao mesmo tempo é uma grande tristeza que prática tão potente e importante esteja sempre correndo o risco da extinção e exposta aos horrores da guerra, que não poupa homens nem mulheres de sequestros, torturas e estupros. A proposta de paz e justiça interna convive com mulheres e homens em constante estado de tensão e armas nas mãos a vigiar e proteger as fronteiras.
Precisamos falar sobre o feminismo no Curdistão.
Daniela Alvares Beskow
03 de março de 2022
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