Passado, presente e futuro são a mesma coisa? Uma crítica ao pensamento “isso é coisa do passado”

Passado, presente e futuro são a mesma coisa? Uma crítica ao pensamento “isso é coisa do passado”

Muitas pessoas tem o costume de repetir as seguintes frases “isso é coisa do passado”, “esqueça esse assunto, já passou”, “não há porque remoer situações do passado, não há mais nada o que fazer”, etc.

De fato, situações, contextos ou acontecimentos passados, por já terem ocorrido, não podem ocorrer novamente, ou seja, não podem ser alterados. O que passou, já ocorreu. Não é possível voltarmos no tempo e alterar o passado. O que é possível é a realização de novas soluções para problemas que existem desde o passado e persistem no presente. É por esta razão que muitas vezes se continua a pensar no presente, sobre um acontecimento do passado: a proposição de novas e melhores soluções para problemas persistentes. Para isso é importante avaliar as tentativas passadas, para aprimorá-las.

Outra razão é a experiência de solucionar uma questão mentalmente ou emocionalmente referente à algo que ocorreu no passado. Ainda que a situação já não esteja mais presente, os seus efeitos e consequências persistem e para se relacionar com eles é preciso falar sobre a causa.

Outra razão é a importância da reparação nos casos de violência: falar sobre a situação de violência como elaboração não apenas individual, mas, coletiva. A elaboração coletiva deveria levar à exigência de reparação para as vítimas de violência. Esta pode vir em forma de pedidos de perdão – privados ou realizados publicamente – comprometimento em não mais violentar ou mesmo em ressarcimentos financeiros – como foi o caso das vítimas de ditadura militar no Brasil, garantido pela Comissão da Verdade – e outras soluções.

Uma outra razão que leva pessoas à propagar a ideia de que não se deve falar sobre o passado é a necessidade de evitar assumir a responsabilidade sobre a realização de ações que foram danosas para outras pessoas. Pessoas que violentam são irresponsáveis. Violentar é ser irresponsável. São irresponsáveis no momento da violência e também posteriormente, no processo de elaboração coletiva sobre a violência, quando são cobradas em reconhecer a violência, assumir a responsabilidade, pedir desculpas, se comprometer em não mais violentar e reparar a vítima. É um processo que evitam justamente porque são irresponsáveis. Este é um caso frequente de situações onde pessoas dizem “não pense mais sobre isso, não é mais possível mudar”. No caso situação de violência não é possível voltar no tempo e fazê-la não existir, o que é possível é colocar em prática o processo de reparação das vítimas.

O presente é de certa forma uma ilusão, pois, nunca está parado para que o analisemos ou identifiquemos com precisão. O que temos certeza é que coisas existiram e também de que haverá futuro, coisas continuarão a existir, inclusive independente da existência individual. O presente é um fluxo contínuo que gera passado e futuro. Pode-se inclusive pensar que passado, presente e futuro são a mesma coisa. Essa ideia já foi proposta por filósofos e também por pensamentos religiosos.

Se pensarmos que o tempo é um fluxo contínuo, que o passado sempre ocorreu no presente – ou seja, para se concretizar enquanto passado, o passado primeiramente ocorreu enquanto presente – e o futuro vai também ocorrer como presente, podemos concluir que a noção de passado e futuro são memória e projeção, respectivamente. Essa ideia pode levar à conclusão de que na realidade, existe apenas o presente, em vários momentos diferentes: o presente que já passou e o presente que virá.

Independente de qual elaboração achamos mais coerente: passado, presente e futuro são distintos e separáveis; passado, presente e futuro são a mesma coisa; não existe passado nem futuro, apenas o presente; sabemos que o presente é gerado pelo passado, ou seja, as ações de agora estão gerando contextos para o futuro, ou, as ações de ontem geraram o presente de hoje. Nesse sentido, é sempre importante refletir sobre o passado pois esta reflexão leva à um melhor entendimento sobre o presente e à uma construção mais consistente sobre este. Sabendo que presente será também passado e gerará futuro, podemos pensar antecipadamente sobre o presente antes de ele se tornar passado, ou seja, podemos pensar sobre o presente no momento em que ele ocorre, sabendo que ele será um passado que terá construído o futuro presente. Concluindo, é sempre importante pensar sobre passado, presente e futuro, pois, eles se relacionam e se constroem mutuamente. Não há porque evitar falar sobre um desses três tempos. A não ser que já se tenha pensado excessivamente sobre uma questão e não se tenha chegado à um lugar melhor, de fato, nesse caso recomendo parar de pensar sobre o tema temporariamente. Desenvolva novas ferramentas de intervenção e interpretação sobre a realidade e volte a pensar sobre o tema futuramente a partir de uma nova perspectiva e compartilhe suas ideias com mais pessoas, seja as pessoas envolvidas na situação passada ou então novas pessoas. Coloque suas ideias em relação. Mas não se furte em refletir sobre a realidade, seja ela passada, presente ou futura. Não se abstenha de elaborar mentalmente e também através da palavra escrita ou falada, sobre a realidade.

Pensar sobre o passado é pensar sobre o presente e sobre o futuro. Pense, aja, não deixe de propor e transformar a realidade, seja ela coletiva ou individual.

Daniela Alvares Beskow

14 de janeiro de 2021