Nem sempre é o conteúdo, mas, a forma. A estrutura.

Nos debates sobre política, reflexão coletiva e educação política há grande enfoque no conteúdo, que é ensinado e aprendido, transformado e muitas vezes, “aplicado”, através da tradução daquilo que foi apreendido para transformações práticas nas vidas individuais e coletivas.

Tenho pensado muito sobre isso ultimamente. Sento na minha mesa de trabalho e me vem à mente uma página de papel onde eu possa desenhar vários quadrados ou retângulos, como se fossem caixas de diálogo ou um mural de lembretes. Esta página pode ser também um desenho digital, como este do cartaz desta publicação. Com uma tecnologia avançada, estas caixas poderia ser um desenho em 3D, que é como funciona a realidade material. Estas caixas não são fixas, mas, se movimentam, reconfiguram o desenho espacial conforme a situação.

Na realidade material, vemos as pessoas a partir de 3 dimensões. Em um espaço coletivo, pessoas estão dispostas de várias formas: sozinhas, em pequenos grupos, em grandes grupos, dispersas ou em pequenos círculos, etc. A configuração das pessoas no espaço forma desenhos e esses desenhos podem ser entendidos como uma estrutura. Em um espaço coletivo como uma festa, por exemplo, essa estrutura é bastante móvel, os grupos e pessoas sozinhas se deslocam a todo momento. Em uma reunião de negócios ou sala de aula, a estrutura é mais rígida. Dia após dia a estrutura é a mesma, enquanto que em uma festa, cada festa vai apresentar uma estrutura (movimentação das pessoas no espaço) diferente a cada dia.

Essas estruturas de movimentação das pessoas expressam como as pessoas se relacionam. Para quem já participou de jogos teatrais ou jogos de interação em experiências esportivas ou lúdicas pôde experenciar o questionamento das estruturas sociais de interação. Tais jogos servem para que as pessoas interajam de formas diversas e criativas, algo que na maioria das vezes as estruturas sociais dificultam ou impedem.

Conteúdos são obviamente importantes, especialmente quando pautados na diversidade e possibilidade de aprofundamento. Ressalta-se a importância da existência de não apenas leitura de textos curtos em grande quantidade, orientados a partir da lógica do espetáculo e da resposta rápida – curti, não curti, saí bem na foto, elogiei a foto, etc – mas, textos longos e em grande quantidade, acompanhados de debates realizado a longo prazo. Porém, formação política apenas com conteúdo não adianta. Não basta apenas que se altere o volume e a diversidade de conteúdo apreendido, é importante que as estruturas de relações também se alterem, inclusive porque apreendemos melhor o conteúdo quando este se apresenta a partir de diversidade de estruturas de contato com esse conteúdo: ivros, filmes, quadrinhos, palestras, caminhadas históricas, espetáculos, contação de histórias, etc, seja acessando ou produzindo esse conteúdo. Inclusive melhor quando se produz e não apenas acessa, pois, o cérebro processa a informação de forma diferente. Entendemos e memorizamos melhor quando ensinamos ou refletimos coletivamente sobre certo conteúdo e não apenas ouvimos ou lemos em silêncio.

Estamos viciadas/os em redes sociais. Estas redes funcionam a partir de determinadas estruturas. Dentre suas várias características, se pautam fortemente em alta quantidade de conteúdos curtos com pouco aprofundamento, além do personalismo (foco na pessoa e não no conteúdo), algorítimos que funcionam a partir da lógica capitalista, lacração (imagens de impacto), resposta baseada na preferência pessoal ao invés da prática da habilidade analítica (botões de curti, amei, não gostei, etc), entre outros. Algumas das redes mais utilizadas limitam o número de caracteres a ser publicado. Outras não limitam, mas, devido às outras características de funcionamento acabam por facilitar posicionamentos pessoalistas, como se limitar a utilizar os botões de reação, reforçando ou desincentivando algo ao invés de escrever na caixa de comentários e estabelecer um diálogo mais profundo. Nem sempre queremos ser profundos/das. Ser superficial não é um problema. O problema está em ser superficial sempre.

Precisamos de estruturas digitais que expandam nossas possibilidades e não limitem. Que possibilitem o aprofundamento e estreitamento de laços. Precisamos de opções para que possamos exercer a sinceridade e o destrinchar de ideias e não apenas a aprovação ou reprovação de uma imagem ou a escrita de um parágrafo curto. Textões de redes sociais nada mais são do que parágrafos curtos quando lidos em uma página de livro ou página A4. Pedimos desculpas quando escrevemos “textões”, quando deveríamos estar convidando as pessoas a ler nosso conteúdo mais extenso através dessa síntese denominada “textão”.

A estrutura altera completamente nosso entendimento das coisas. Podemos acessar um mesmo conteúdo em determinada estrutura e depois em outra estrutura e entendê-lo de forma completamente diversa. Estruturas limitantes e similares que se repetem e dominam o nosso cotidiano não fazem nada mais do que estagnar.

Precisamos de estruturas digitais, ou, redes sociais digitais onde possamos explanar nossas ideias com a certeza de que essas ideias chegarão às pessoas, sem depender de algorítimos que funcionam a partir da lógica capitalista e da lógica do espetáculo. Conhecimento virou espetáculo, apenas. E não é apenas disso que se trata.

Os meus próprios textos sofrem muitas flutuações de acesso nas redes sociais, sempre pautadas pelas lógicas descritas acima e por mudanças nos algorítimos que estão longe do nosso alcance. Precisamos de estruturas estáveis de troca de conhecimento. Não podemos depender apenas da troca realizada nas redes sociais atuais. Precisamos ir além. Precisamos construir estruturas melhores e que melhor atendam às nossas necessidades intelectuais, de integração, de educação, de debate, enfim, de politica, já que o debate e a reflexão conjunta são pilares fundamentais para a prática política.

Daniela Alvares Beskow

12 de fevereiro de 2022