A insistência e o vencer pelo cansaço: uma estratégia de pessoas abusivas

Mais uma reflexão compartilhada da escrita do livro “Reflexões conceituais sobre a violência”.

Insistir – não sendo uma revolta frente a injustiças ou em alguns casos, prestação de socorro – na tentativa de vencer pelo cansaço é uma violência psicológica presente no comportamento de pessoas abusivas que a praticam de forma pontual ou então em relacionamentos abusivos, ou seja, com pessoas que tem sido suas vítimas a longo prazo.
A insistência consiste em repetir um mesmo comportamento ou proposta durante um período de tempo curto ou prolongado, concomitante à negativa, indiferença ou não manifestação da pessoa a quem se dirige. Ou seja, ainda que a vítima tenha se manifestado contrária à ação proposta, não tenha se manifestado ou esteja indiferente frente à atitude da pessoa abusiva, esta continuará a se colocar de forma relacional, impondo-se sobre o outro ou a outra. A insistência abusiva se estrutura na repetição da mesma sugestão ou ação de forma prolongada, sem se alterar pela reação ou estado da vítima. Neste caso, a vítima é elemento essencial para a pessoa abusiva, pois, é através dela que a ação de violência ocorre, neste caso, um elemento desumanizado, pois, não parte do reconhecimento da autonomia do outro e sua capacidade de concordar, discordar ou tomar decisões.
A insistência cansa e muitas vezes leva a vítima a ceder pelo esgotamento físico e mental já que, impossibilitada de reagir – situação típica da ação de violência – vê como única possibilidade para o fim da violência da insistência a violência da concretização da proposta ou ideia da pessoa que insiste. A estratégia da insistência abusiva rompe os laços da vítima com ela mesma, as conexões que sustentam o seu eixo de autonomia e pessoa plena em sua razão, emoção, saúde mental e física. Enfraquece, transformando situações simples de tomada de decisão e posicionamento em labirintos que confundem pelo excesso de estímulo.

O esgotamento é muito comum em vítimas de relações abusivas, seja durante a relação social ou após, muitas vezes durante longos anos de recuperação da saúde mental. No caso de vítimas pontuais que cedem após insistência, muitas vezes o fazem impulsionadas por uma boa intenção em ouvir o outro, não se impor e dessa forma, sentir-se altruísta e não-autoritária. Ao que cedem novamente e depois de novo em situações posteriores, percebendo com o passar do tempo que foi estabelecida uma relação social unilateral, onde apenas uma pessoa decide e raramente, as duas ou o coletivo. Pessoas abusivas se utilizam do discurso do “ouça mais e fale menos, não se imponha”, para como de costume, distorcer o significado dos discursos e deles se apropriarem para benefício próprio. Dizem “escute, não se imponha”, para que as demais pessoas sempre e somente a escutem e nunca dela discordem, permitindo à pessoa abusiva que sempre se imponha. Enfim o emaranhado e a confusão interpretativa gerada por abusadores psicológicos!

A pessoa que insiste sem diálogo real se comporta a partir da imaturidade, impondo sua própria voz como um monólogo e obrigando pessoas ao seu redor a aceitar sua forma, ideia e ação, muitas vezes acompanhadas de carregado teor emocional, ferramenta que dificulta a reação e argumento coletivo racional. Agem a partir da negação incessante da resposta alheia, apenas dela se utilizando como um degrau para continuar subindo sua estrutura individual de auto afirmação e projeção no coletivo às custas da saúde alheia.

Ressalto novamente que a insistência pode ser também ação de enfatização das injustiças, enquanto estratégia de pressão e denúncia para a transformação. Neste caso não é abusiva, já que é consiste de reação à violências passadas. A insistência à prestação de socorro em casos extremos à pessoas que muitas vezes estão com a saúde comprometida, não estando com todas as habilidades de tomada de decisão funcionando plenamente, também não pode ser considerada abusiva, já que neste caso, a insistência ocorreria para auxiliar uma pessoa vulnerável. Ainda assim, esta situação não pode ser utilizada com desculpa para pessoas abusivas para classificar vítimas como doentes e forçar situações para poder controlar suas vidas sob a desculpa de estarem delas cuidando. Enfim, as relações abusivas e as armadilhas de interpretação!

Processo compartilhado de escrita do livro “Reflexões conceituais sobre a violência”

Daniela Alvares Beskow

08 de janeiro de 2023

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