Nem sempre o “não” ocorre de forma verbal. Desenvolva a leitura corporal e não avance o sinal!


Nem sempre o “não” ou o “sim” são verbais. É preciso observar a linguagem corporal e comportamental para se relacionar com as pessoas de forma respeitosa, cooperativa e não-violenta.

Vivemos em uma sociedade patriarcal que fomenta a não assertividade nas mulheres. Homens sustentam esse sistema e um dos locais onde se aproveitam para tirar mais vantagens é o terreno da intimidade. Mulheres também violentam e logo, podem ser pivôs de ações de desrespeito. Essa reflexão, portanto, se destina à todos e todas.

No patriarcado, a não assertividade não apenas dificulta às mulheres proferir o não quando se quer dizer não e o sim, quando se quer dizer sim, mas, estimula mulheres a sempre agradar os outros, a sempre estar disponível, demonstrar gentileza excessiva e não contrariar.

Ou seja, além de ser obstáculo para as mulheres manifestarem o que estão sentindo e pensando, através de opiniões, argumentos e posicionamentos, promove um contexto ainda mais grave que é este grupo agir sempre em conformidade com o que as relações de poder dominantes ditam nos vários contextos coletivos. É pilar desta estrutura a existência de punição social para aquelas que fogem à regra, o que ocorre através do medo e as insegurança construídos ao longo de toda uma vida. É preciso, obviamente, enfraquecer esse sistema. Rachaduras vem sendo promovidas pelos movimentos coletivos de mulheres, mas, ainda há muito trabalho pela frente.

Enquanto a assertividade não estiver consolidada no grupo das mulheres, além das ações coletivas para concretizá-la, é preciso ler o não corporal e comportamental e recuar quando há a existência dessas manifestações. E porque vivemos em uma sociedade que apoia a violência nas relações cotidianas e promove o não desenvolvimento da assertividade nas mulheres, o sim, ainda que exista de forma não explícita, é importante que seja proferido de forma verbal e assertiva para que se dê início qualquer tipo de relação social, principalmente as relações de caráter íntimo. Apenas siga após o “sim”, “eu quero”, “eu gostaria”, “eu concordo”, “estou disponível”, “tenho interesse”, e assim por diante. Na dúvida, pergunte antes de seguir. Não siga individualmente um caminho que tem como base a reciprocidade. Relações sociais devem ser recíprocas e ser fruto de consentimento de todas as partes.

O não corporal e comportamental se manifesta de várias formas. Ele ocorre quando a pessoa não responde as manifestações verbais (sejam faladas ou escritas) de outra pessoa, ou seja, é indiferente. Ocorre quando ela responde, mas, não dá continuidade, não demonstra interesse em continuar a conversa. O “não” ocorre quando uma pessoa dá as costas para outra pessoa ou se afasta. Quando ela não interpela outra pessoa de forma verbal, ou seja, não convida, não pergunta, não se interessa sobre a sua vida. O não corporal pode ocorrer também de forma misturada ao sim corporal, como no caso onde a pessoa expressa negação e aceitação de forma intercalada. Neste caso, há uma emissão confusa de sinais, provavelmente resultado da culpa gerada pela imposição da obrigação social em mulheres em estar sempre disponíveis. Após o não, aparece a culpa e logo em seguida, a mulher expressa um “sim” contrário à sua vontade. O sim, portanto, é resultado de vontade genuína quando não está envolto de sinais confusos e incertos. O sim é sim quando ocorre de forma nítida, confiante e assertiva.

Ainda que o sim corporal expresso de forma confusa e misturada junto ao não corporal, possa ser resultado de vontade genuína e o “não”, resultado de insegurança e falta de assertividade – já que o “sim” também implica em se lançar à um desafio e sair do terreno individual já conhecido – o próprio fato de estar misturado ao “não” já expressa insegurança e não assertividade. A relação social respeitosa pressupõe assertividade de ambas as partes. Logo, se o sim está misturado ao não, não é um sim confiante e íntegro. Não insista.

Mais importante do que qualquer relação íntima é essencial que enquanto sociedade trabalhemos para desenvolver a assertividade nas mulheres e para eliminar todo e qualquer tipo de violência contra este grupo. Dessa forma, estaremos cada vez mais rumo à mulheres confiantes de si e espaços coletivos que prezem pela cooperação, respeito e ajuda mútua.

Em rumo à assertividade e contextos onde as mulheres possam se posicionar plenamente sem serem punidas, mal vistas ou isoladas socialmente. Em rumo à contextos onde homens não desrespeitem mulheres, onde mulheres não desrespeitem mulheres.

Daniela Alvares Beskow

19 de fevereiro de 2023

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