Estátuas e políticas de justiça, responsabilização e reparação

Hoje, dia 25 de julho de 2021. Na América Latina e Caribe, é o Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha. No Brasil, Dia Nacional de Teresa de Benguela. Em conjunto a essas datas, temos dois acontecimentos no dia de hoje: a prisão de uma das pessoas envolvidas no incêndio da estátua de Borba Gato, na cidade de São Paulo e o Congresso Internacional de Justiça Restaurativa, organizado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo. Uma das mesas do congresso é intitulada “Vida, morte e legado de Luana Barbosa e a luta por justiça, responsabilização e reparação”.

O dia de hoje pontua várias questões e explicita novamente a realidade que reforça o racismo e as práticas de violência no Brasil. Sinaliza, mais uma vez, a necessidade de colocarmos em prática as políticas de reparação.

O título da mesa do Congresso Internacional de Justiça Reparativa resume a questão: “justiça, responsabilização e reparação”.

Estátuas de pessoas racistas, misóginas, homofóbicas ou que praticaram e defenderam violência de qualquer tipo, são apenas a ponta do iceberg quanto se trata de regimes de violência. Estátuas são símbolos e práticas de memória e aprendizado sobre o passado, presente e futuro. São referências de como devemos nos comportar e que ideias e práticas devemos ensinar. Espalhadas pelo espaço público são marcas do território e expressam relações de poder. Estátuas são espelhos que refletem o que está atrás, o passado, o já realizado. São homenagens coletivas à uma ideia, uma pessoa, um contexto.

Construir e manter uma estátua de uma pessoa que cometeu violências de qualquer tipo expressa a relação de forças em determinado momento histórico. Além de ser coadjuvante das ações de violência no momento em que ocorreram – pois autorizavam e incentivavam – as forças políticas decisórias posteriores decidiram também por construir um monumento para os autores dessas violências e dessa forma, comemoram a violência praticada.

É grande absurdo que estátuas como essas tenham sido construídas no período republicano do país e continuam a chocar por ainda não terem sido retiradas pelo Estado. A violência é naturalizada em todos os países. Se aprende a entendê-la como algo inevitável.

Há países que se dispõe a enfrentar alguns contextos de violência, como por exemplo a punição de torturadores de alguns regimes ditatoriais na América do Sul no séc. XX ou os militares e funcionários nazistas alemães. São processos de “justiça, responsabilização e reparação”. O Brasil não o faz. O Brasil tem visto torturadores envelhecerem em liberdade nas últimas décadas, esperando que morram sem nunca terem sido punidos pelos crimes contra a humanidade que cometeram no regime limitar no país. A vida destruída dos povos africanos e descendentes de africanos residentes no Brasil nunca foi reparada. Políticas tímidas tem sido aplicadas recentemente, como as cotas raciais em seleções públicas. Políticas necessárias, mas, ainda insuficientes. Pessoas negras apodrecem na prisão sem sequer terem passado por julgamentos, vivenciando um cotidiano extremamente precário e muitas vezes, de maus tratos. Gerações de moradores de rua, moradores de periferias e favelas, em sua maioria, pessoas negras, sofrendo com a ausência do básico: moradias dignas, saneamento básico, empregos que não explorem, educação de qualidade.

São também gerações de mulheres que quando meninas, foram estupradas, engravidaram e foram forçadas a casar com seus estupradores. Novamente um contexto que deveria ser regulamentado por lei, com o poder o público amparando essas crianças. Apenas recentemente, em 2018, foi criada lei que proibi o casamento de pessoas com menos de 16 anos. Onde estava o Estado antes disso? Onde está o estado no permanente contexto de ameaça à vida das mulheres, inclusive dentro de casa, constantemente violentadas por maridos ou ex-maridos? Há também o histórico genocídio das populações indígenas e as ameaças sempre constantes aos seus descendentes. Há a massa de mulheres negras em condições precárias de trabalho, também vítimas de violências obstétricas racistas. Mulheres, vítimas de feminicídio, lesbocídio. Contextos de violência que deveriam estar sendo duramente combatidos pelo Estado, mas, não estão.

Os poderes públicos na democracia brasileira não tem feito justiça à essas populações e grupos, que quando somados, expressam maioria. Esta democracia tem que ser aprimorada e já. Não ano que vem, não na próxima eleição, não daqui a dez anos, mas, agora. O processo de justiça pressupõe responsabilização. Justamente. Quem são os responsáveis pela violência? Agressores, pessoas que violentam, pessoas que aprovam leis e políticas públicas que favorecem a violência e aprofundam as desigualdades sociais. Políticos que são indiferentes ao contexto de violência. Quem são os responsáveis? Em uma democracia não é aceitável que pessoas violentem e não sejam responsabilizadas e punidas por isso. É Preciso nomear e responsabilizar. É preciso punir os já nomeados e já sabidos serem autores de violências, como o caso dos assassinos de Luana Barbosa, como os tantos casos no Brasil recente e atual. E por fim, precisamos de políticas de reparação. Reparar o dano causado por pessoas e grupos e apoiados por políticas de estado, inclusive, racistas, misóginas, homofóbicas. Reparar e restaurar as possibilidades de vida para as pessoas vitimizadas pela violência. O poder público, enquanto poder coletivo, tem uma responsabilidade com a sociedade, que é a de não apoiar a violência e agir através de todas as formas possíveis para combatê-la.

Destruir uma estátua que simboliza a violência é um ato de denúncia e desespero. Não ocorreria caso o poder público já tivesse há muito tempo retirado por conta própria o símbolo racista e violador.

O Brasil tem importantes tarefas à sua frente. Retirar do espaço público as estátuas de violadores é apenas uma delas.

Daniela Alvares Beskow

25 de julho de 2021