A volta às ruas e a violência visual dos homens

Homens se sentem donos dos espaços coletivos. Antes da pandemia era assim e após a pandemia continuará sendo assim, caso não mudarem a postura arrogante e violenta. Um dos primeiros elementos que notei após a flexibilização da abertura do comércio e o consequente aumento de pessoas nas ruas e em mais horários, é o péssimo hábito que homens tem em olhar as mulheres de forma invasiva a partir de uma intenção sexual. Esta violência consiste em observar as partes íntimas de mulheres de forma prolongada. Esta violência tem um nome, se chama violência visual. No Brasil é naturalizada essa postura, todos sabem como funciona: o homem está no espaço urbano, seja sentado em uma mesa de bar na calçada, seja o segurança na porta de um estabelecimento ou estacionamento, seja na fila na porta de uma loja, o dono de um comércio ao ar livre, um grupo de motoristas de ônibus ou de moto esperando a próxima corrida, clientes aguardando a entrega da encomenda de um restaurante, homens se exercitando nos aparelhos de musculação da praça. Uma mulher aparece ao longe, ela vê o homem ou o grupo de homens e busca um caminho alternativo, longe da provável violência visual. Nem sempre há um caminho. Ela então se aproxima na sua caminhada. O homem já a avistou. De longe ele faz uma primeira avaliação de seu corpo: seios, pernas, quadril. À medida que ela se aproxima, ele desvia o olhar, pois, ele sabe que essa ação é danosa para a mulher, que a deixa constrangida e ele não quer parecer um violador. Não quer parecer, mas, é. Ele temporariamente finge que não estava olhando. Logo que ela o ultrapassa, ele volta a olhar invasivamente, analisa sua bunda e pernas, insistentemente até que ela suma do horizonte. Outra mulher aparece. O mesmo ciclo se repete. E assim dezenas de vezes por dia. Homens olham mulheres a partir de um olhar pornográfico, o tempo todo. Todas as mulheres – incluindo crianças e bebês do sexo feminino – são para eles, seres sexuais ao seu dispor. Eles se sentem donos dos espaços coletivos e donos dos corpos das mulheres, que enxergam como apenas mais um espaço a ocupar, a invadir. Homens pensam que são donos dos espaços e donos de tudo que está nos espaços. Os milionários se apossam de grandes terras, recursos, espaços, tempo e tentam sempre se apossar de mulheres. Os de classe média se apossam de médias terras, recursos, espaços, tempo e tentam sempre se apossar de mulheres. Os pobres pouco tem de terras, recursos, espaço e tempo, mas, esse pouco, cotidianamente se estabelece a partir da violência dos homens contra as mulheres de seu círculo. Sempre uma desvalorização das mulheres enquanto sujeitas políticas e dignas de respeito. A violência dos homens contra as mulheres está presente em todas as culturas e classes sociais, em muitos momentos históricos, em todos os continentes. Assim como os outros regimes de dominação: o racismo, o capitalismo e o regime da heterossexualidade, dos quais homens também são vítimas. O objetivo dessa reflexão é pensar sobre um dos elementos da violência patriarcal. A violência que trata as mulheres como seres pornográficos nos espaços coletivos. Violência cometida pela maioria dos homens, independente de classe social. A violência visual a que mulheres estão submetidas diariamente nos espaços coletivos é um desestímulo para que estejam nas ruas. O olhar invasivo e sexual, vindo da maior parte dos homens que uma mulher encontrará no seu percurso cotidiano é um ameaça constante de estupro. É um aviso por parte dos homens: “se você, mulher, decidir estar nesse espaço coletivo sobre o qual você não é convidada a decidir, você será sexualizada, você terá seu corpo vigiado, suas partes íntimas observadas com constância. Em grupo, faremos o possível para que você se sinta desconfortável. Cometeremos violências sexuais, negaremos que cometemos e continuaremos a cometer”. Esse é o recado dos homens.

Daniela Alvares Beskow

05 de outubro de 2020