Vítimas não são obrigadas a perdoar. Pessoas que desrespeitam é que tem que pedir desculpas. Uma reflexão sobre o natal e festas de final de ano

Introdução

O período de natal e da virada de ano sediam muitas comemorações, festejos familiares, entre amizades ou no trabalho. Religiosas ou não, pessoas atribuem significados também pagãos à essas datas, como a celebração da união, afeto, amor, presença coletiva, troca (de presentes e/ou abraços e companhia) recomeços e revisão do ano que passou.

Quando essas coletividades cultivaram relações de respeito, reciprocidade, ajuda mútua e afeto durante o ano, os encontros de final são apenas um resultado de um caminho trilhado. Se celebra a construção coletiva e suas consequências: a alegria, o prazer em estar juntos e muitas vezes, a admiração mútua.

O contrário, quando uma ou várias pessoas desrespeitam seus próximos, abandonam afetivamente, traem a confiança, são desonestos, violentam psicologicamente ou de outras formas, o final de ano se aproxima não com expectativa de bons encontros, mas, com desânimo e tristeza por parte das pessoas que foram vitimadas e não foram ressarcidas. Agrava a situação quando as pessoas ao redor da vítima propõe que ela perdoe a pessoa que a agrediu, pensam elas, que dessa forma, a celebração natalina ou de passagem do ano poderá então transcorrer como deveria ser: um encontro de união e afeto. Porém, desejam tal contexto sem se dar ao trabalho em exigir uma mudança de postura por parte das pessoas que desrespeitam. As próprias pessoas que desrespeitam se sentem reforçadas em suas atitudes de violência pelo entorno que as autoriza a permanecer nos espaços coletivos sem se comprometer à uma mudança de comportamento. Há um esforço coletivo em fingir que nada aconteceu e que está tudo bem. Pessoas não querem se dedicar ao processo de construir relações de respeito e acolhimento, que é árduo caso pessoas que desrespeitam e sua rede de apoio sejam arrogantes, vaidosas, egoístas e certas de que a violência que cometem não será cobrada.

Perdoar ou pedir desculpas?

É importante ressaltar que exigir que vítimas perdoem agressores ou agressoras é também uma violência psicológica. Vítimas não são obrigadas a perdoar. Pessoas que desrespeitam é que tem que pedir desculpas. Porém, parece mais fácil ou conveniente para as pessoas ao redor, ao invés de exigir que o agressor ou agressora peça desculpas, exigir que a vítima perdoe sem nunca ter ocorrido qualquer processo de escusas por parte de quem violentou. Exigem que uma mágica aconteça e com frequência recorrem aos símbolos ou práticas religiosas, espirituais ou místicos deste época do ano, para reforçar a existência de milagres ou transformações não materiais que de forma não racional ou instantânea alteraria o estado de sofrimento da vítima para um de alegria e contentamento. Exigem o perdão da vítima para que o encontro coletivo possa ocorrer sem incômodos coletivos.

Se aceita que a vítima permaneça com seu incômodo individual em silêncio e ao mesmo tempo não se aceita que seja exigido do agressor ou agressora que não esteja presente. Também não se aceita que coletivamente seja exigido da pessoa que agrediu que apenas esteja presente sob as condições das desculpas.

É preciso que as pessoas ao redor apoiem a vítima e exijam que agressores e agressoras se retratem. Pedir desculpas é uma obrigação ética de quem desrespeitou. Independente se a pessoa vitimizada vai aceitar ou não as desculpas, pessoas que agrediram de alguma forma tem a obrigação de se desculpar e o grupo ao redor tem a obrigação de exigir que essa pessoa se desculpe. Se desculpar por desrespeitos cometidos é um dos elementos que integra o processo de re-socialização do agressor ou agressora e de sua aceitação de volta ao coletivo. É uma etapa necessária para ressarcir a vítima no âmbito social. Pedir desculpas é demonstrar ao coletivo que errou e gerou danos à terceiros e esses danos precisam ser compensados de alguma forma. Estamos falando de justiça no âmbito cotidiano.

Pedir desculpas é um processo.

Pedir desculpas é um processo

A sociedade se esforça em culpabilizar vítimas e a acolher agressores e agressoras. Este comportamento social contribui para reforçar as estruturas de violência, perpetuando relações de poder e contribuindo para ambientes coletivos socialmente insalubres. É preciso parar de violentar. É preciso para de apoiar pessoas que violentam e exigir que essas pessoas alterem seu comportamento.

Pessoas que violentaram tem a obrigação ética de se redimir frente a vítima e ao coletivo. Pedir desculpas integra um processo de reflexões e ações que visam integrar o processo de justiça à vítima, atenuando a situação de dano causado à vítima, além de sublinhar o comprometimento

à não mais violentar. Esse processo é composto dos seguintes elementos:

1) A pessoa que violentou deve reconhecer o que fez e entender que ações de violência são quebras de acordo da sociabilidade, não são aceitáveis e não devem ocorrer.

2) A pessoa que violentou deve se desculpar à vítima pela violência que cometeu. Caso a vítima não queira se encontrar pessoalmente com a pessoa que violentou ou estabelecer contato direto com ela via quaisquer meios – telefone, redes sociais, e-mail, carta, etc – a pessoa que violentou deve enviar suas desculpas mediada por uma terceira pessoa.

3) Há a possibilidade de uma retratação pública por parte da pessoa que violentou. Essa opção não deve ser realizada sem a autorização da vítima.

4) A pessoa que violentou pode oferecer uma chance de se retratar para além das palavras, através de alguma ação.

5) A pessoa que violentou deve se comprometer a não mais cometer o ato de desrespeito realizado e não mais cometer qualquer ato de desrespeito contra a pessoa que desrespeitou ou contra qualquer pessoa. Esse comprometimento pode ocorrer junto ao pedido de desculpas.

6) A pessoa que desrespeitou deve rever o seu comportamento, transformando-o tendo em vista a construção de ações individuais de respeito e de não violência de qualquer tipo contra qualquer pessoa.

7) Cabe à vítima aceitar ou não o pedido de desculpas e aceitar ou não a reaproximação com pessoa que violentou.

Daniela Alvares Beskow

Escrito e publicado em partes entre 19 e 23 de dezembro de 2021 no Instagram

Publicado na íntegra em 27 de dezembro de 2021