Perspectiva lésbica

Perspectiva lésbica

A perspectiva lésbica é aquela fruto da experiência enquanto mulher lésbica. A experiência individual se constrói também na experiência coletiva. Logo, pode-se afirmar que a perspectiva lésbica é também aquela fruto da experiência coletiva a partir do conjunto das mulheres lésbicas, seja entre mulheres lésbicas, seja enquanto mulheres lésbicas na relação com a sociedade.

A perspectiva é o local onde se vivencia, interpreta e elabora. A elaboração ocorre através de discursos e também da prática. Expressamos ideias e propomos através de ações e da fala.

A lesbianidade é um local em meio aos tantos locais configurados a partir das experiências de grupo e assim como todo grupo, é perpassado pelas diferenças, pois, cada grupo é um cruzamento de vários grupos. Ainda assim, é possível reconhecer o elemento principal que define cada um. O grupo das mulheres, apesar de agrupar mulheres diversas a partir de territórios, culturas, contextos econômicos, orientações sexuais, etnias diversas, etc, é definido pelo fato de que todas as pessoas naquele grupo são mulheres. O mesmo com o grupo das pessoas indígenas, das pessoas negras, das pessoas brancas, das pessoas asiáticas. O mesmo com o grupo dos homens e assim por diante. O grupo das mulheres lésbicas, abarcando todas as diferenças das pessoas ali presentes é definido pelo fato de que todas são mulheres lésbicas.

Grupos podem ser vistos enquanto locais, territórios. O local da lesbianidade é definido por dois fatores principais: a mulher lésbica se relaciona sexualmente e a partir do desejo sexual com mulheres; e a mulher lésbica não se relaciona sexualmente e a partir do desejo sexual com homens. O elemento do desejo sexual não se resume à si mesmo, podendo ser entendido também enquanto afeto, cuidado, companheirismo e intimidade, além da possibilidade da existência em um casal ou em relações poligâmicas, dependendo do ponto de vista cultural ou contextual. O primeiro elemento – a mulher que se relaciona com outras mulheres – possibilita ampliar a existência individual da mulher lésbica para o grupo das mulheres lésbicas. O segundo também amplia a existência lésbica individual para a existência lésbica coletiva. Neste caso, as mulheres que não se relacionam com homens são identificadas enquanto grupo através da lesbofobia e da negação de suas existências. Analisemos as duas situações.

Entre o grupo das mulheres lésbicas há a possibilidade de identificação a partir da semelhança e a possibilidade de apoio e acolhimento. A experiência equivalente promove o entendimento mais consistente e imediato umas das outras o que facilita a construção de caminhos de ações coletivas. O reconhecimento de si é construído também a partir do reconhecimento da outra. Há o sentimento de integração, de se perceber enquanto um grupo.

O grupo das mulheres frente a sociedade lesbofóbica é forjado no ódio e na discriminação. Sociedades frequentemente geram a ideia de uns contra os outros, de eu e eles, nós e elas, um grupo contra outro. A sociedade heterossexual gera a ideia da diferença a partir da desigualdade, da violência e da segregação. Nega que mulheres lésbicas transitem nas ruas com tranquilidade, ameaçam com constância, matam e estupram motivados pelo seu próprio ódio. Impedem ou tentam impedir que as lésbicas tenham direitos sociais, civis e econômicos como os das pessoas heterossexuais e produzem conhecimento distorcido e mentiroso, classificando lésbicas como doentes ou criminosas, dependendo do momento histórico. Em alguns territórios, o poder político determina a pena de morte para mulheres lésbicas. Ser lésbica passa a ser vivenciado como uma proibição, um impedimento.

Estas duas experiências geram a existência individual e coletiva das mulheres lésbicas. Ambas experiências produzem a perspectiva lésbica que, em sua pluralidade, gera também perspectivas lésbicas.

Que abordagens lésbicas podemos perceber na produção de conhecimento das mulheres brasileiras hoje?

Algumas pautam a lesbianidade. Outras, pautam diversos outros temas.

Toda mulher lésbica que escreve está escrevendo a partir de uma perspectiva lésbica? Ou seja, sua produção escrita é sempre resultado da sua experiência enquanto mulher lésbica? Em outras palavras, pode-se pensar a perspectiva lésbica enquanto aquela que gera ação e discurso diretamente através da experiência lésbica? Podemos também perguntar se a perspectiva lésbica é apenas aquela derivada da experiência ou podemos dizer que também constitui um corpo teórico, uma forma de pensar ou a abordagem da temática da lesbianidade. Em outras palavras, a perspectiva lésbica é forma ou é forma e conteúdo?

Em outras palavras, seria possível uma mulher lésbica que produz conhecimento e age na realidade, o fazer sem que suas perspectivas sejam a perspectiva lésbica? Ou seja, é possível desconsiderar a vivência lésbica ao interpretar a produção de ação e discurso de uma mulher lésbica? Podemos considerar qualquer conceito que não aborde a lesbianidade, como advindo da perspectiva lésbica quando produzido por uma mulher lésbica?

Ainda que não tenhamos ainda uma conclusão, podemos identificar conceitos gerados no meio teórico de produção lésbica, seja as teorias escritas, seja as teorias das prática. São ideias únicas e inéditas, propostas por mulheres lésbicas.

No caso do Brasil, que conceitos podemos identificar?

Pretendo responder esta última pergunta nos próximos ensaios.

Daniela Alvares Beskow

Escrito em agosto de 2021

Revisado e publicado em dezembro de 2021