Reflexões iniciais sobre estratégia

Estratégia é a arte de organizar a prática de uma ideia. O número de elementos a serem conectados para que constitua uma rede lógica de relações varia em função do tamanho da ideia. É possível traçar uma estratégia para a realização de uma pequena horta no jardim ou então para a implementação de um projeto coletivo de grande porte. Ambos projetos exigem estruturas comuns de organização das ideias, o que varia é a complexidade da rede, ou seja, o número de elementos envolvidos, o números de relações já existentes ou estabelecidas entre os elementos, as características destas relações, sua intensidade e duração ao longo do tempo.

Os elementos envolvidos em uma estratégia podem ser: pessoas, ações, objetos, projetos, locais, e assim por diante. Uma estratégia tem um objetivo final e é a partir deste – ou seja, do fim – que se traça o ponto inicial e o caminho (processo) para chegar até o objetivo. Existem vários caminhos possíveis para se chegar à um mesmo local e é aqui que se encontra a diversidade de pensamentos: pessoas diferentes vão propor caminhos diferentes para se chegar à um mesmo local. Alguns caminhos são mais rápidos, porém, menos proveitosos, outros, mais longos, e mais frutíferos. Ou mesmo, o oposto. A avaliação sobre cada tipo de estratégia a ser utilizada varia em função da avaliação das perdas e ganhos que cada caminho apresenta: duração, características, as consequências durante o processo e as consequências finais. É possível também que várias estratégias menores alimentem uma estratégia maior. Nesse sentido, pode-se haver uma combinação de estratégias menores de várias durações e níveis diferentes de dificuldade que, no todo, se equilibram. Ou seja, não importa se na primeira etapa há uma estratégia de longa duração que toma mais tempo, pois, no futuro próximo, a segunda etapa pode ser composta de duas estratégias de curta duração. E mais adiante, uma estratégia de longa duração associada à outra mais curta, e assim por diante. Essa combinação pode ser realizada de outras formas: as curtas primeiro e depois as longas: no todo, ao longo do tempo, as durações tendem a se equilibrar. Ainda que “a ordem dos fatores altere o produto” e sim, isso é nitidamente observável, já que, o processo altera as pessoas e os próprios caminhos, re-traçando inclusive os objetivos finais, além de existirem ordem mais eficazes do que outras, ainda assim é possível calcular chegar ao mesmo ponto final em função de variáveis que são posicionadas em ordem diferente. Ainda que cheguemos em estados diferentes em virtude da escolha de um ou outro caminho. O pensamento materialista valorizaria mais a chegada ao ponto final, independente de como foi o processo para se chegar até ele, enquanto que o idealista proporia que duas pessoas que cheguem ao mesmo ponto a partir de caminhos diferentes, teriam chegado em locais diferentes, pois, teriam sido alteradas de forma diferente pelo processo e logo, sua interpretação sobre o ponto final seria diferente. Proponho uma aproximação entre essas duas perspectivas, valorizando em igual importância os aspectos subjetivos e os concretos.

Um dos elementos principais de uma estratégia é o método. O método é a forma através da qual se colocará a estratégia em prática. Há também o pensamento ou a teoria que orienta a escolha do método e da própria estratégia.

Aproximando as áreas da Ciência Política (estratégia), da Filosofia (perspectivas) e das Ciências Humanas como um todo (teorias), além da Teoria Geral dos Sistemas que influencia fortemente as presentes reflexões (tem origem na Biologia e hoje está difundida em várias áreas do conhecimento), proponho a relação com a área de conhecimento que investiga o corpo e o movimento. A partir desta intersecção está a valorização da percepção de si e do entorno como ponto inicial no processo de traçar estratégias e métodos. Antes de traçar uma estratégia é importante a percepção de si. A pessoa inserida no contexto é o ponto inicial para qualquer vivência no mundo. É preciso perceber a relação entre o indivíduo e o coletivo não apenas a partir da relação, mas, também, a partir da análise desses dois elementos em separado, na medida do possível, já que os processos de constituição destes, ocorrem sempre em conjunto. Mas, ainda assim, é possível enfatizar um ou outro aspecto durante a observação de si: sou um ser individual, singular e ao mesmo tempo coletivo, reprodutora de ações que outras pessoas também produzem. Há semelhanças e diferenças entre os indivíduos, pois, todos são um e múltiplo ao mesmo tempo. Observo então esses elementos. Exercícios de respiração profunda são um caminho bastante útil nesse processo de percepção de si e do entorno, pois, ativam a habilidade da observação dos detalhes e do todo, fundamental para a criação de estratégias.

A observação é mais um elemento importante na constituição de uma estratégia. A observação durante períodos prolongados de tempo leva ao reconhecimento de padrões e este, à habilidade de desenvolver previsões. Esta habilidade é também importante no desenvolvimento de uma estratégia, pois, muitas vezes, alcançar ou não o objetivo final pode levar à grandes perdas. Ter o mínimo de previsão e logo, de precisão, é útil para minimizar as perdas, que de uma forma ou outra, sempre ocorrem.

Voltando ao ponto inicial que é a própria pessoa. É importante que esta pessoa se situe no seu contexto micro e também macro para que visualize com mais nitidez onde está, para onde quer ir e para onde está indo, independente de sua vontade, pois, o coletivo no empurra sem nossa escolha. Antes de traçar estratégias é preciso organizar essa relação consigo mesma e com o mundo, observar-se, entender-se, desenvolver ferramentas de cuidado e fortalecimento de si. Pessoas fortes desenvolvem estratégias mais eficazes e mais prazerosas, pois, há mais disposição envolvida, seja para propor ou topar projetos alheios, ou ainda melhor, uma mescla dessas duas opções. Disposição gera comunicação, relação e alegria. Uma pessoa impulsiona a outra, ao invés de se anularem, como se observa na maioria das relações sociais. E mais, a pessoa impulsiona a si mesma. É necessário esse impulso inicial para estar no mundo. Antes de tudo é preciso querer, para gerar impulso e ação. Os regimes de violência se esforçam para anular essa vontade de viver e nos arrastam, somos levadas sem que para isso exista vontade individual. É preciso não apenas organização coletiva para reverter esses processos, mas, também organização de si.

A organização de si se inicia com o desenvolvimento da percepção. Observe para entender. Se observe em movimento. Pause para processar as informações. Pause inclusive durante a implementação de estratégias. Se perdeu? Volte ao começo. Você mesma contém muitas respostas possíveis. Volte ao início, se lembre de quem você é, do que era importante e se perdeu, reconheça novamente o seu eixo. Volte pelo mesmo caminho, pare por um momento e inicie novo caminho. Dessa forma é possível mapear o espaço e saber para onde se está indo e por onde já se passou e não funcionou.

Mapeie-se, traçe estratégias e também promova momentos diários de dispersão e também de pouca ou nenhuma consciência (atividades de relaxamento parcial e relaxamento total/sono profundo, respectivamente). O relaxamento é um dos combustíveis necessários para a ação. Identifique o ponto inicial, planeje o caminho e visualize o ponto final. Mas nunca se perca de si mesma. Você é seu porto seguro. A consciência de si é a estrutura fundamental para a consciência do mundo.

Sempre volte ao começo e visualize o todo já existente antes da implementação da estratégia e da construção de obras e também o todo construído. Observe o depois a partir do antes. Veja como ficou a partir da intenção e plano inicial: o que deu certo e o que não deu e o que pode melhorar. E depois volte a caminhar.

Daniela Alvares Beskow

31 de janeiro de 2020