Pelo fim da violência estatal

Se o Estado é o responsável por assegurar direitos à população e o Estado está cometendo violências contra a população, algo está errado com o Estado.

A função do Estado é mediar relações sociais e realizar ações que beneficiam o coletivo. Dois dos principais elementos da mediação de relações são o poder judiciário e as forças policiais. Estas instituições são incumbidas de decidir e agir sobre conflitos, injustiças e violências que ocorrem no âmbito da população. Quando é o Estado que passa a cometer injustiças e violências contra a população, pode-se considerar que a população está refém do Estado.

Na maioria dos países existem enormes desigualdades sociais e econômicas entre os grupos populacionais. No Brasil este panorama é reforçado diariamente através da vitimização da população indígena e negra. A independência do país em relação à Portugal, a instauração da república e a abolição da escravidão, todos ocorridos no séc. XIX, são eventos que deveriam ter extinguido por completo a exploração e violência contra os povos negros e indígenas, mas, não foi o que ocorreu. Enquanto povo brasileiro, a reivindicação pelo fim da condição de colônia e pelo fim da monarquia é justificada pela importância e necessidade da própria população em decidir sobre a sociedade. Porém, o que vimos, foi a própria sociedade e seus eleitos, agirem contra parcelas da população.

Apesar de a ideia da representação estar acompanhada de valores democráticos, ou seja, valores que reforçam a igualdade de direitos, não é o que observamos no desenvolvimento das democracias representativas. Na grande maioria dos países democráticos, há quantidade significativa de gestores – e neste termo incluo todos aqueles empregados em funções públicas que requerem a tomada de decisões e ações sobre a sociedade, ou seja, poderes executivo, legislativo, judiciário e forças militares e policiais – que através da posição que ocupam, cometem violências contra a população. Este contexto deve ser transformado imediatamente. Nas cadeiras da representação devem estar pessoas que favorecem a vida e não que atentem sobre ela.

Ao longo do séc. XIX, XX e XXI no Brasil vemos o constante e cotidiano ataque de instituições estatais contra as populações negras e indígenas do país. Antes esses ataques eram cometidos pelas instituições monárquicas. De uma forma ou de outra, pessoas negras e indígenas continuam a ser violentadas, e no momento atual, violentadas pelo Estado, seja através de ataques diretos – como por exemplo as chacinas, assassinatos diários de indivíduos destas populações ou por invasão de terras destes grupos – seja através de ataques indiretos, realizados através da supressão de direitos. Enquanto há pessoas passando fome, sem emprego ou em empregos precários, sem moradia ou em moradias precárias, sem terra para morar, sem acesso à tratamentos de saúde e à educação de qualidade, sem acesso à lazer e descanso, há supressão de direitos, há violência estatal.

A população negra no Brasil é descendente de povos sequestrados de outro continente. Após a abolição da escravidão não houve cessão de terras aos descendentes das pessoas sequestradas e escravizadas. Essa população foi deixada à sua própria sorte e à mercê do racismo cometido por grupos e indivíduos da população e do racismo institucional. As favelas atuais são também resultado direto da decisão de não prover terra e moradia para esta população. O Estado brasileiro tem um dívida com a população negra, que é a de fornecer terra e moradia e condições de subsistência para esta população que é descendente de povos sequestrados, ou seja, que não escolheram migrar para o Brasil, foram forçados. Enquanto essa dívida não for quitada, os efeitos da escravidão continuarão existindo.

Não apenas não houve cessão de terras, moradia e condições de vida para a população negra, como tem sido constantes os ataques à vida deste população ao longo das décadas republicanas. São inúmeras chacinas e assassinatos individuais cometidos por forças estatais. Este contexto não é aceitável, não é democrático, não é ético.

Por justiça em Jacarezinho (RJ), por um auxílio emergencial digno, por reforma agrária, por construção de moradias para quem não tem casa, por empregos dignos para todas as pessoas, por uma alimentação sem agrotóxicos e acessível, por boas escolas e por salários dignos para professores, professoras, enfermeiros e enfermeiras.

Pelo fim imediato do genocídio da população negra.

Pelo fim imediato do genocídio da população indígena.

Pela promoção de direitos.

Pela vida e pelo fim das políticas de morte.

Daniela Alvares Beskow

07 de maio de 2021