A falta de mulheres na política representativa do Brasil: lei de cotas, laranjas e democracia

BRASIL: BAIXA PORCENTAGEM DE MULHERES NA POLÍTICA

O Brasil apresenta uma das porcentagens mais baixas do mundo de ocupação de cargos políticos no parlamento por mulheres.

Atualmente, de 193 países, está na colocação 134. Do total de cadeiras no Senado (81), apenas 12, ou seja, 14.8% são ocupadas por mulheres. Na Câmara de deputados, de 513 cadeiras, apenas 77, ou seja, 15% são ocupadas por mulheres [1].

O Mapa Mulheres na Política da ONU Mulheres [2] de 2017 apresenta situação parecida. De 194 países, esteve na colocação 154, pertencendo ao grupo dos países que apresentavam apenas de 10% a 14.9% de mulheres no parlamento. A composição é referente às eleições de 2014, com início do governo em 2015. No Senado as mulheres compunham 14.8% do total de cadeiras e na Câmara dos Deputados, 10.7%. Nas eleições de 2010, com início de governo em 2011, mulheres ocupavam 16% das cadeiras no senado e na câmara, 8.6% [3]. Ou seja, o país pouco avançou no compartilhamento de cargos de tomada de decisão nacionais entre homens e mulheres nos últimos oito anos.

LEI DE COTAS: POR MAIS MULHERES NA POLÍTICA

Em 1995 foi instituída a lei de cotas para mulheres para candidatar-se nas eleições municipais, regulamentando as eleições municipais de 1996. Em 1997 nova lei regulamentou as eleições gerais de 1998, instituindo a cota de 30% para candidatas mulheres. Tal deliberação derivou do compromisso firmado com as resoluções da Conferência de Beijim – IV Conferência Mundial sobre a Mulher, que ocorreu em 1995 na cidade de Pequim, na China. [4]

No Brasil a lei de cotas sofreu alterações com o passar do anos. Inicialmente não era obrigatório o preenchimento dos 30%. Depois, tornou-se obrigatório. Então, em 2018, foi também aprovado que 30% dos recursos do Fundo Eleitoral fosse destinado para as candidatas mulheres. Apesar da lei, foi pequena a mudança em relação à porcentagem de mulheres que ocupam as cadeiras do senado e da câmara. Em 1998 as mulheres ocuparam 5,4% das cadeiras na câmara, em 2018, 15%. É um crescimento de apenas 9,6% em 20 anos. Se analisarmos os dados de 1933, quando havia 0,4% de mulheres deputadas, vemos um aumento de 14,6% em 85 anos. Um número baixíssimo. Então, ao analisar o crescimento de mulheres na câmara de 1933 para 1986, que subiu de 0,4% para 5,6%, o número é de 14 vezes mais de um ano para o outro. De 1986 para 2018, o número sobe de 5,6% para 15%, ou seja, pouco menos que 3 vezes mais [5]. Observa-se então que o ritmo de mulheres eleitas deputadas está diminuindo ao longo das últimas décadas, apesar de o número final ter aumentado. A pergunta que temos que fazer é: porque?

POLÍTICA DA REPRESENTAÇÃO

A política representativa é resultado direto do arranjo das relações sociais. A não ser que hajam alterações drásticas no modo de funcionamento destas, a mudança institucional será lentíssima ou nem mesmo ocorrerá. Uma das formas de se alterar o arranjo social é através de leis, que instituem novas regras a serem seguidas pela população. Leis institucionais não são a única forma de se alterar padrões viciados e opressivos no âmbito social, mas, são uma forma possível. Não precisaríamos de leis de cotas caso os partidos por espontânea vontade e empenho cotidiano, lançassem grande número de candidatas, fazendo também campanhas para cada uma delas, além de cotidiano trabalho de valorização e viabilidade de ocupação de cargos de tomada de decisão, por mulheres. E porque os partidos não o fazem? Aí está uma boa pergunta.

Partidos existem para organizar ideias e ações em torno do Estado representativo, promovendo candidatos para ocuparem seus cargos. Uma das ideias da representação é que uma ou algumas pessoas deveriam representar proporcionalmente sua população, em termos de raça/etnia, sexo, idade, e assim por diante. No Brasil há esta ideia da proporção aplicada à questão territorial nas eleições para senado e câmara dos deputados. Por esta razão, os números de cadeiras disponíveis se alteram a cada eleição, em função do aumento populacional.

Outra ideia para a representação é aquela que defende que a pessoa eleita é um canal de semelhança de ideias com os eleitores. Estas ideias não estariam necessariamente ligadas diretamente à condição social/origem/classe sexual/contexto dos eleitores, mas, de certa forma transcenderiam os grupos, podendo ser viabilizadas por qualquer pessoa apta a administrar o Estado.

Uma outra ideia para representação é um meio termo entre as propostas anteriores. A pessoa eleita seria um canal para ideias semelhantes com seus eleitores e essas ideias seriam tais, também em função do contexto social dos eleitores.

A prática atual da representação no Brasil e em muitos países apresenta muitas características: nem sempre corresponde às promessas realizadas em campanha; é resultado de intenso trabalho relacionado à imagem e não necessariamente ao contato dos eleitores com as propostas dos candidatos; o personalismo na política, ou seja, associação do voto à uma pessoa em específico e não ao partido ao qual ela pertence e ao conjunto de ideias que defende; existência de quantidade desigual de dinheiro investido em campanhas deste ou daquele partido, advindo de fontes privadas; compra de votos; a descrença na política como ferramenta de transformação; poder da grande mídia em construir verdades e mentiras, apoiando e elegendo candidatos; desvio de dinheiro; difusão de mentiras sobre partidos concorrentes; candidatos laranjas; entre outros. Muitos fatores influenciam os resultados de uma eleição.

A prática da representação não é democrática, na maioria das vezes. Basta observar a realidade de extrema desigualdade social encontrada na maioria dos países. Caso a representação fosse democrática, o mundo estaria em outra situação, haveria abundância de recursos para todos, não haveria violência, todos teriam trabalhos pagos de forma justa. Não haveria fome, doenças e miséria ocasionados por desigualdades no acesso aos recursos.

A prática da representação nasceu nos Estados modernos como uma solução para o que se considerava errado nos regimes anteriores. Os regimes ditatoriais, monárquicos, concentravam poder por atribuição religiosa, governavam em favor próprio e usurpavam populações e territórios através da força e da manutenção de seus privilégios. A população não tinha voz na definição dos seus administradores. A defesa da representação veio da necessidade das populações em definir os administradores das questões coletivas. Em cada país a representação foi tomando diferentes formas e atualmente há diferentes modelos para esta prática. Muito mudou nos últimos séculos e décadas, porém, as sociedades atingiram a democracia tão desejada? Que democracia queremos e como alcança-la?

O QUE FAZER

Se avançamos tão pouco em tanto tempo, conclui-se que é necessário alterações mais rápidas em algumas estruturas para que as transformações no cenário da representação sejam igualmente rápidas.

É necessário que o âmbito institucional proponha novas regras para a sociedade, tornando obrigatória algumas ações que de outra forma, demorariam tempo extenso demais a ocorrer. Tanto a questão do baixo número de mulheres no parlamento brasileiro quanto a alta desigualdade social e grande quantidade de pessoas pobres no país, exigem ações firmes e imediatas para que este contexto seja alterado.

É urgente que as mulheres sejam devidamente representadas na política representativa no Brasil. As mulheres são maioria na população e sua representação deve ser no mínimo em metade do parlamento ou então mais, de forma proporcional ao número que existem na população. A lei de cotas deve ser para ocupação de cadeiras e não para candidatas. Partidos tiveram 20 anos para eleger mais mulheres e pouco fizeram. Não esperaremos mais vinte anos para aumentar em 5 ou 10% nossa ocupação no parlamento. As próximas eleições municipais já devem ocorrer com a lei de cotas de 50% de ocupação das cadeiras e assim deve ser também nas próximas eleições gerais.

Neste momento tem havido denúncias e investigações sobre o possível uso de candidatas laranjas nas eleições de 2018. É lamentável o panorama da existência desta manobra para burlar a lei de cotas, criada para diminuir a desigualdade entre homens e mulheres no âmbito representativo. Caso forem comprovadas, veremos mais um exemplo do esforço que homens realizam para garantir a manutenção de seus privilégios a qualquer custo.

A pesquisa de Malu Gatto, da University College London, e Kristin Wyllie da
James Madison University, concluiu recentemente que há grandes chances de vários partidos terem se utilizado de candidatas laranjas nas eleições de 2018 [6]. um dos critérios utilizados na pesquisa foi a quantidade de votos dessas candidaturas: muito baixa quando comparada com as candidaturas de homens. Ressalto porém, que a certeza da existência das candidatas laranjas só pode ser constatada caso seja comprovada que não houve ou houve pouco empenho na campanha eleitoral das candidatas, critério ausente na pesquisa. Pois caso tenha havido campanhas realizadas da mesma forma para os candidatos homens e mulheres, ainda o resultado nas urnas pode ser diferente entre essas duas categorias, tendo em vista outros fatores que influenciam nos resultados de uma eleição.

MULHERES REPRESENTANTES

Concluindo, se formos propor uma relação proporcional entre população/necessidades e pessoas eleitas, há que se ter em mente que não basta que haja mulheres eleitas para que as necessidades das mulheres sejam atendidas. Por exemplo, atualmente a maioria de pessoas no trabalho informal e intermitente é de mulheres. Logo, temos uma urgência. É necessário que as mulheres eleitas proponham ações que acabem com essa situação de imediato, garantindo um contexto de bons empregos com justos salários para todas. Mulheres, pessoas pobres, indígenas e pessoas negras estão carregando nas costas o Brasil atual, desde há tempos! Quanto mais esperaremos para que todos e todas sejam de fato livres e que possam realizar suas escolhas individuais de acordo com um amplo leque de possibilidades? Até quando mulheres terão suas vidas determinadas por contingências e não por escolhas? Quanto mais esperaremos para que exista democracia de fato em nosso país? Não esperemos: lei de cotas de 50% de ocupação de cadeiras no senado e câmara para mulheres já! Por mulheres eleitas comprometidas com o fim imediato da violência contra as mulheres no Brasil, hoje e sempre!

Daniela Alvares Beskow

12/03/2019

NOTAS

[1]
Inter-Parliamentary Union – IPI/ União Inter-Parlamentar. 1 de janeiro de 2019. http://archive.ipu.org/wmn-e/classif.htm)

[2]
Women in Politics Map – http://www.unwomen.org/en/digital-library/publications/2017/4/women-in-politics-2017-map#view)

[3] https://www.ipu.org/resources/publications/infographics/2016-07/women-in-politics-2014

[4] http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2014/02/declaracao_pequim.pdf

[5] https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/573189-PROFESSORA-DORINHA-DEFENDE-COTAS-PARA-MULHERES-E-PEDE-CAPACITACAO-DE-DELEGACIAS.html

[6] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47446723