O respeito mútuo anarquista e o contraste com o despotismo cotidiano

Um dos princípios anarquistas é o respeito mútuo. Há uma disposição anarquista em respeitar as pessoas com quem se convive nos vários ambientes cotidianos: trabalho, família, relacionamentos íntimos, amizades, movimentos sociais, e assim por diante. Este respeito reforça a importância de entender a outra e o outro como algo valoroso, no sentido de que todas as pessoas possuem conhecimentos importantes que podem ser compartilhados; merecem respeito por suas vidas e empenhos; tem o direito de serem tratadas de forma digna nos espaços coletivos e nas relações sociais. O relacionamento social anarquista é fundado no respeito mútuo, sendo este uma condição para a efetivação das relações sociais. Falta de respeito equivale à violência, podendo esta ser praticada de várias formas. O entendimento sobre o respeito mútuo gera as condições necessárias para a ajuda mútua, praticada em bases éticas. Há limites que, quando ultrapassados, configuram violência. O respeito mútuo encontrado nos pensamentos e práticas anarquistas independe de leis escritas sobre o assunto, como já apontado, ao contrário, é pré-condição para as relações sociais e não um resultado de acordos posteriores para a convivência. Para além de uma questão lógica, esta pré-condição pode e deve ser debatida e aprofundada através da troca de ideias e aprofundamento coletivo do conceito e prática.

Legalistas e adeptos das relações de desrespeito entendem o respeito mútuo como algo a ser destinado apenas àqueles com os quais se tem relações de afeto próximo, de dependência de algum tipo, relações baseadas em trocas de benefícios – como por exemplo, expressar respeito por alguém que pode elevar o seu status – e principalmente em ambientes formalizados por regras. Nestes últimos, a pessoa legalista entende que deve respeitar pois existem leis que caso não cumpridas podem levar à punições. Esta pessoa respeita apenas quando é explícito que receberá algo em troca ou quando há a certeza de punição formal em caso de desrespeito. É uma relação baseada no ganho pessoal, logo, avaliada a partir de parâmetros individualistas . No caso do respeito que ocorre sem o contexto da lei, respeitar ou não alguém seria apenas uma escolha sem a necessidade de justificativa, vista a partir da interpretação distorcida do que seria liberdade. No caso, da regra/lei, a pessoa respeita a partir de uma exigência coercitiva e não de vontade própria, não a partir de um valor coletivo que se forjaria também nas atitudes individuais. São pessoas despóticas que respeitam genuinamente apenas outros e outras déspotas.

O contraste entre essas duas posturas perante as relações sociais evidencia um quadro dificultoso, já que propõe formas diferentes na sua estrutura, em se relacionar. Tais dificuldades se aprofundam ainda mais quando esses dois grupos de pessoas se veem em uma situação coletiva que apresente a necessidade de tomarem decisões em conjunto e de conviverem. Um contexto que pode a levar a constantes bloqueios de tomada de decisão, além de conflitos recorrentes e também situações de violência, onde quem desrespeita, se sente no direito de faze-lo, muitas vezes a partir da ideia de que estaria exercendo sua liberdade de opinião ou de comportamento, demostrando nítida confusão sobre o que seria a prática da liberdade, já que liberdade é o oposto de violência.

Daniela Alvares Beskow

09 de fevereiro de 2022