Fronteiras tardiamente controladas: quantas vidas em troca dessa irresponsabilidade?

Em janeiro já estava instalada a epidemia de conora virus na China. Já havia dados suficientes para prever que ela se alastraria para outros países e de forma rápida. Apesar de essa informação estar acessível para outros países, incluindo o Brasil, todos demoraram em controlar as fronteiras de forma adequada. No Brasil, foi apenas no dia 19 de março que o governo declarou que viajantes de certos países seriam impedidos de desembarcar e que fronteiras terrestres estariam fechadas para trânsito individual.

Em janeiro os governos já tinha informação, porém, foi apenas em março que os países comçeram a controlar fronteiras, seja fechando-as completamente, seja impedindo ou determinando quarentena para passageiros vindo de países com maior nível de contaminação. Ainda, são medidas insuficientes, pois, como já observado, um passageiro contaminado pode sair de um país de risco, ir para um país de menor risco e deste último país, viajar para seu destino final. Dessa forma, não estaria impedido de entrar no país de chegada, já que o último país de onde viria seria de pouco risco. Porém, essa pessoa havia estado antes em um local com grande contaminação. E assim o vírus se espalha. Se as fronteiras não fecharem completamente para viajantes, com exceção de transporte de indústria e comércio e de pessoas que precisem retornar aos seus países de origem – e estes, com normais rígidas de quarentena, isolamento, distanciamento social e higienização ao desembarcarem – o vírus não parará de se espalhar.

Como o mundo estaria agora caso passageiros vindos da China tivessem sido impedidos de entrar (temporariamente, obviamente) em todos os países? O virus não teria se espalhado. Os governos de todos os países foram irresponsáveis.

Sobre o governo brasileiro. Foi igualmente irresponsável. Durante janeiro e fevereiro inteiros os governantes vêm “anunciando que a população seguisse sua vida normalmente, que “não entrassem em pânico”, que apenas “lavassem as mãos”. Quando poderiam ter tomados medidas mais incisivas. Viajantes chegados de >todos< os países, seja por terra ou ar, deveriam ter sido testados desde janeiro para coronavirus logo ao desembarcar e ter ficado isolados no aeroporto ou próximos aos aeroportos até que saíssem os testes. Dessa forma pessoas recém chegadas ao país e sem sintomas não teriam circulado livremente pelas cidades. Outras pessoas não teriam sido contaminadas. Não estaríamos na situação em que estamos agora.

Administradores públicos tem o dever de serem hábeis em gerenciamento de questões que envolvem grande quantidade de pessoas, grande quantidade de dados e de ações. Uma das habilidades exigidas na função de governantes é a de prever e prevenir, tomando ações com antecedência. “A economia não pode parar” não é argumento plausível para manter trabalhadoras e trabalhadores em funções presenciais não essenciais para o momento. Se essas trabalhadoras forem contaminadas, não haverá economia funcionando, pois não haverá pessoas para trabalhar! A lógica é óbvia, as pessoas tem que estar vivas para trabalhar e continuar “mantendo a economia”. Se as pessoas não podem trabalhar presencialmente, então elas tem que trabalhar à distância. Onde está o gerenciamento de crise para pensar grandes soluções de forma imediata e com antecedência na área da economia? Em momentos de urgência, ações tem que ser rápidas. No caso do coronavirus, o atraso de uma semana pode gerar danos imensos.

Em janeiro já tínhamos o exemplo da China e a partir de fevereiro, o exemplo da Coréia do Sul: testagem em massa, rastreamento da disseminação do vírus, quarentena e distância social. Estamos em 20 de março e o Brasil ainda não adotou essas medidas. A testagem apenas está sendo realizada em pacientes com sintomas graves. Dessa forma, pessoas que estão o vírus e que não apresentam sintomas, seguem contaminando outras pessoas ao seu redor. Não temos kits suficientes? Bom, eles poderiam ter sido comprados ou fabricados antes, não é? Não temos kits suficientes? Então se decreta a quarentena. O rastreamento não é mais possível de ser realizado, pois, a contaminação está ocorrendo a partir de pessoas assintomáticas, o que torna impossível a localização do transmissor inicial. Sobre a quarentena: ainda não foi decretada. Parte da população decidiu realizá-la de forma espontânea, pois, vê que o governo não está se posicionando da forma como deveria. Ainda assim, aproxidamente 40% da força de trabalho do Brasil está na informalidade, o que obriga grande parte dessa porcentagem a continuar trabalhando, pois, “não trabalha, não ganha”. E ainda temos as empresas que não dispensaram funcionárias/os, obrigando pessoas a se colocarem em situação de risco. Temos também casos lamentáveis de empresas despedindo funcionários e empurrando-as para a contaminação – já que terão que estar nas ruas se virando como podem para ganhar dinheiro – além de contratantes de profissionais autônomos regulares que estão dispensando-os sem remuneração, como é o caso de muitas profissionais domésticas. Sobre a distância social, alguns estados proibiram grandes aglomerações, outros, apenas sugeriram. Não houve porém um decreto federal que proíba aglomerações.

O Estado também ainda não tomou medidas sobre a população de rua, a população carcerária, a população que vive em aglomeração cotidiana nas favelas ou a população em grupo de risco que mora sozinha, sem outras pessoas para ajudarem no cotidiano. Essas pessoas estão em situação extremamente vulnerável. Quais são as medidas rápidas e emergenciais para socorrer essas pessoas? Nenhuma.

Bilhões de reais estão sendo gastos no momento para tratar as pessoas contaminadas. Dinheiro que poderia ter sido investido em outras áreas caso o país tivesse tomado medidas eficazes para conter o vírus. Dinheiro que poderia ter gerado moradia, saneamento básico, dinheiro que poderia ter sido investido em aumento de salários, em geração de emprego formal. Mas não. O governo optou por não conter o virus de forma adequada desde o início de sua disseminação: janeiro foi o mês de aviso. Os avisos estavam aí.

Iniciei o “Uma coluna por sexta” falando da importância da prevenção como forma de controle do coronavirus. Ela foi publicada no dia 07 de fevereiro. Como estaríamos agora se o país tivesse começado a se prevenir no início de fevereiro? Estaríamos bem melhor do que agora. Quantas vidas serão perdidas em troca da irresponsabilidade dos governos?

Daniela Alvares Beskow
20 de março de 2020
Uma Coluna por Sexta
Coluna 7

Brasil em dia – 20 de março. Do canal Tv BrasilGov
https://www.youtube.com/watch?v=UHrzZXnC70Y

Consulte as medidas tomadas em relação às fronteiras por vários países:
https://www.aljazeera.com/news/2020/03/coronavirus-live-updates-italy-overtakes-china-death-toll-200319224219279.html