Fundos europeus para profissionais da América Latina: a lógica paliativa, xenófoba e de alívio da consciência.

Existem instituições da Europa que financiam projetos, pesquisas e trabalhos de profissionais de várias áreas do conhecimento, do Brasil e América Latina, através de programas de apoio e fomento.

Como são:

1) Oferecem bolsas (com valores baixos) em universidades de seus países, com a condição de que a profissional/pesquisadora retorne ao país de origem logo após a conclusão da pós-graduação, para que aplique em seu país de origem, os conhecimentos aprendidos e desenvolvidos na Europa.

2) Buscam projetos que apresentem excelentes soluções para problemas coletivos locais, oferecendo verbas baixas para que sejam colocadas em práticas soluções maravilhosas.

3) Buscam projetos que abordem questões culturais do país de origem, sendo estas, muitas vezes interpretadas a partir de estereótipos.

4) Propõe financiamentos a curto prazo, ainda que estejam buscando soluções excelentes para problemas persistentes.

5) Propõe projetos que desenvolvam ideias de autoras e autores europeus.

O que está errado nisso? Seguindo os pontos levantados:

1) A ideia de que brasileiros e sul-americanos tem que aprender com teóricos europeus em universidades e empresas da Europa e depois voltar ao seu pobre e necessitado país para aplicar as grandes ideias europeias é no mínimo xenófoba. Incutir ideias europeias na América Latina já é algo que vem sendo feito há mais de cinco séculos, desde as invasões europeias ao território. Querem ajudar? Valorizem os conhecimentos produzidos no território sul-americano. Enviem recursos para as universidade brasileiras, para que possam financiar pesquisas a partir de epistemologias do Sul. Enviem profissionais europeus para aprender com os brasileiros e latino-americanos, em projetos coletivos de troca de conhecimentos. Financiem brasileiros para trabalhar na Europa e que levem os conhecimentos brasileiros e ensine-os aos europeus, não com uma bolsa, mas, com um bom pagamento pelo seu salário, com uma contratação temporária. Querem ajudar? Valorizem os conhecimentos do Sul Global, abram na Europa museus, centros culturais, escolas, empresas ou cursos em universidade que abordem os temas e conteúdos do Sul Global, que adquiram obras de profissionais do Sul e que contratem profissionais do Sul Global para trabalhar e ensinar os europeus nestes locais. Não nos trate como meros recipientes de epistemologias europeias e elementos úteis para diminuir o peso na consciência europeia em relação aos danos históricos causados ao Sul Global por conta das invasões, sequestros e escravizações. Proponham reparações históricas.

2) Muitos problemas atuais na América Latina decorrem da usurpação do território e genocídio de populações, violências perpetradas pela Europa. Querem reverter esse quadro? Façam o cálculo de prejuízos referente à todos os séculos de domínio monárquico europeu, incluindo danos morais relativos ao genocídio. Paguem em dinheiro a quantia total, destinada à instituições públicas e comunitárias, para que os países possam investir na recuperação de seus territórios e populações. Soluções para problemas estruturais e grandes prejuízos demandam verbas altas de investimento, destinadas à instituições coletivas.

3) Aprendam sobre as culturas dos países da América Latina e contratem profissionais da América do Sul para ensinar sobre o tema nas universidades europeias. Enviem profissionais para aprender aqui, paguem profissionais brasileiros para ensinar europeus dentro dos territórios brasileiros.

4) Além do pagamento da dívida histórica, forneçam estrutura logística, de mão de obra e de financiamento contínuo para resolução de problemas locais na América Latina. Construam museus, centros culturais, mais escolas e mais universidades na América Latina para que a população local possa ampliar suas possibilidades profissionais de acesso ao conhecimento produzido localmente.

5) Financiem projetos de pesquisa locais, que publique autores e autoras da América do Sul, que realize eventos de lançamento desses livros pela América Latina e Europa, que venda e distribua esses livros em escolas europeias.

Parte significativa da riqueza atual da Europa foi construída em cima do saque da África e da América Latina. Indenizem a África e a América Latina pela usurpação do território e destruição de civilizações e epistemologias. É isso que e espera da Europa e não bolsas temporárias com valores baixos para resolver gigantescos problemas históricos gerados em parte, pela Europa.

Devolvam o ouro da América Latina. Se redimam pelas vidas ceifadas. Fortaleçam pesquisas para reconstruir epistemologias esquecidas e destruídas pela Europa. Construam moradias para a população negra que foi empurrada para as favelas no Brasil após a abolição da escravização. Reflorestem territórios europeus para que haja mais florestas reciclando o ar mundial. Não paguem a países pobres para que recebam o lixo químico de vocês. Não procurem países do Sul Global que cobram menos impostos para instalarem suas empresas. Punam empresas europeias que se utilizam de mão de obra escrava do Sul Global. Na América Latina, não é apenas a Amazônia a ser preservada, mas, todas as populações que habitam todas as porções desse território, todas as epistemologias, todas as vidas

Europa, repare os danos causados ao Sul Global. Não precisamos de poucas bolsas individuais com valores baixos. Precisamos que vocês reconstruam as sociedades que destruíram. E é urgente.

Daniela Alvares Beskow

13 de julho de 2021